O Samba que Venceu a Vadiagem e Virou Patrimônio Nacional
O Samba que Venceu a Vadiagem e Virou Patrimônio Nacional. O Senado, reconhecendo o que o povo sempre soube, aprovou a produção dos instrumentos do samba como manifestação cultural. O samba, nascido nas ruas e resistente ao desprezo oficial, agora recebe o respaldo da lei. Um gesto tardio, mas necessário, que protege não só os instrumentos, mas também a rica tradição popular que os criou e mantém viva.
CULTURA


Do Beco ao Senado: O Samba que Venceu a Vadiagem e Virou Patrimônio Nacional
A República, que tantas vezes se esquece de suas raízes populares, hoje se viu forçada a reconhecer aquilo que o povo já sabia em seu íntimo: o samba é a alma do Brasil. No alto das tribunas do Senado, onde geralmente ecoam discursos que pouco se assemelham à vida do povo, um raro sopro de sensatez fez-se ouvir. Foi reconhecida a produção dos instrumentos que dão corpo ao samba como manifestação da cultura nacional. Aqueles que batem o tamborim e arrastam o pandeiro não precisam mais da aprovação oficial, mas, mesmo assim, o Estado se comprometeu a proteger o tantã, a cuíca, o surdo e outros tantos instrumentos que fazem a vida pulsar nas esquinas e nos becos. Mais do que uma lei, é o reconhecimento de uma tradição que, por si só, jamais deixou de existir. O projeto aguarda apenas a sanção do Presidente, e com isso, o samba, que sempre foi resistência, ganha agora um escudo legal para proteger seu futuro.
Era uma vez um tempo em que carregar um pandeiro ou um tamborim pelas ruas escuras do Rio de Janeiro podia significar muito mais do que uma noite de música e alegria. Poderia, sim, levar o portador à delegacia, acusado de "vadiagem", como se a arte fosse crime e a música uma ameaça à ordem. João da Baiana, mestre do samba e filho da terra carioca, conheceu bem essa realidade. Em 1908, foi seu pandeiro que caiu nas mãos dos homens da lei, num gesto que simbolizava o desprezo das autoridades por uma cultura que, apesar de tudo, resistia e florescia. Mas os tempos mudaram, e hoje, o mesmo Senado que um dia nada fez para proteger esses músicos de rua, agora estende seu manto protetor sobre as tradições do samba. Foi necessário um longo caminho, mas a aprovação do projeto que reconhece a produção dos instrumentos do samba como manifestação cultural é um marco de respeito e reconhecimento. E não se trata apenas de proteger o tamborim ou a cuíca, mas sim de valorizar a mão calejada que os fabrica, de celebrar a resistência negra que fez do samba o símbolo que é hoje. O discurso de Paulo Paim, o senador negro que trouxe a voz dos grandes mestres do samba à tribuna, ecoa como um lembrete de que a cultura brasileira é viva e merece ser honrada em todas as suas formas.
E assim, o Senado, tantas vezes alheio aos anseios populares, dá um passo em direção ao reconhecimento de uma arte que jamais precisou de sua aprovação para existir. O samba, filho legítimo das ruas e das comunidades, não nasceu nas casas legislativas, mas sim no coração do povo. Agora, com o respaldo oficial, os instrumentos que embalam essa melodia de resistência ganham uma proteção que, por ironia, nunca lhes foi necessária para sobreviver. No entanto, essa medida pode, enfim, reparar parte da dívida histórica que o país tem com seus verdadeiros artistas.
O reconhecimento do samba e de seus instrumentos como patrimônio cultural é mais do que uma simples formalidade; é um gesto que, embora tardio, carrega consigo a promessa de que a cultura popular não será mais tratada como um estorvo, mas sim como o tesouro que sempre foi. O futuro ainda guarda desafios, é claro, mas talvez, em meio a tanto descaso, esta lei sirva como um lembrete de que a cultura do povo, quando protegida e valorizada, pode florescer com ainda mais vigor.
A cuíca, o pandeiro, o tantã e o surdo continuarão a ecoar pelas vielas, celebrando a alegria e a dor, a luta e a vitória de um povo que nunca precisou de permissão para ser o que é. O samba, agora reconhecido, seguirá sendo a batida constante do coração brasileiro, pulsando forte, como sempre fez, e como sempre fará.
Fonte: senado.leg.br
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